Por razões estéticas, mas não só, não posso aceitar a concepção da morte assumida pela maioria das pessoas e que também adoptei durante quase toda a minha vida; por razões estéticas, portanto, sou obrigado a negar que uma coisa tão extraordinária como a alma humana possa apagar-se para sempre. Não, os mortos estão à nossa volta, excluídos do mundo pela nossa denegação metafísica da sua existência. Quando os milhares de milhões que somos dormem à noite nos nossos respectivos hemisférios, os mortos aproximam-se de nós. As nossas ideias devem servir-lhes de alimento. Somos os seus campos de cereais. Mas somos estéreis e eles morrem de fome. Contudo, não se enganem. Os mortos observam-nos, observam-nos nesta Terra, que é a nossa escola de liberdade. No próximo reino, onde as coisas são mais claras, a clareza carcome a liberdade. Na Terra somos livres precisamente devido à confusão, ao erro, às admiráveis libertações, e também devido à beleza, à maldade e à cegueira. Tudo isto vem sempre acompanhado pela benção da liberdade.
Saul Bellow, O Legado de Humboldt, Salvato Telles de Menezes (trad.), Quetzal, 2012.
Com este excerpto, cumulado aos outros, convenceste-me finalmente a ler este livro. Obrigado.
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