sábado, 27 de junho de 2009

Ténis; lição de iniciação: Aquiles vs. tartaruga


retrato do tenista quando jovem

No princípio, julgamos, é muito simples: esperar pela bola, medir o ressalto, preparar a raquete. Um golpe certeiro. A libertação exacta de uma tensão acumulada pelo braço na espera. Com alguma colaboração do pulso. Não é tão simples assim, mas obedece ao princípio geral das nossas realizações: aplicar a quantidade adequada de força num dado ponto na direcção exigida pelas circunstâncias no momento certo. Não é muito diferente de um engate. A bola é o centro. Uma massa com peso que atravessa simultaneamente o espaço e o tempo, de acordo com velhas leis da física, confirmadas em cada batida. Se formos bem sucedidos o que se passa em seguida não nos diz respeito. Um estrangeiro é posto à prova do outro lado da fronteira diante dos nossos olhos num teste análogo ao nosso. A questão que lhe é colocada é igual à nossa em qualidade mas poderá diferir em dificuldade. O grau de responsabilidade que nos é imputável no que concerne ao teste do estrangeiro seria achado por meio da fórmula literária que resumiria a intensidade da agência do herói trágico no desenlace do drama, acaso tal fórmula existisse: correlação entre vontade e o destino (τύχη), sendo a vontade o esforço da consciência que dita uma acção que tenta alcançar, por meio da antecipação mental de determinados processos mecânicos possíveis nas leis do mundo, um fim previsto, um estado distinto dos anteriores cujo princípio causador é a nossa acção. Mas é impossível precisar a proporção entre eles, ou sequer a natureza da sua relação: no court, como na cena trágica, o kosmos não é imanente. As suas leis são obscuras e incertas: difíceis de deduzir e praticamente impossíveis de domar. Zeus outorgou aos homens a possibilidade de conhecer, mas esta vem por meio do sofrimento e da experiência - da paciência (no sentido etimológico). Sabemos tão só que a vontade influi muito menos do que o destino. Um olhar ou, mais commumente, um corpo agudo intui por vezes saltos epistemológicos que perturbam a ordem. O caso é bastante frequente; os deuses são liberais, quase democráticos: até o mais inepto dos iniciantes consegue um winner. Mas na maioria das vezes a inspiração não é mais do que o engano de um deus: bola na rede, bola fora, a vergonhosa madeirada - um erro não forçado, o mito de Penteu redescoberto. O melhor é jogar pelo seguro: levantar bem a bola sobre a rede com a força necessária para que passe com segurança sem exceder os limites - μηδὴν ἄγαν: nada em excesso. E chega a prova do oponente. É, dizia eu, um espectáculo alheio. Podes prevenir uma nova interrogação como réplica e procurar o lugar mais adequado no court (mas como saber qual o local mais seguro para se estar? Com o tempo aprenderás que há uma zona a que se chama o “lugar do morto”). Para além disso nada podemos. Tudo depende do estrangeiro do outro lado da fronteira. Assistimos ao seu desconforto diante da bola. A estranheza com que tenta opor ao movimento da bola o movimento da raquete, uma asa que acresce incomodamente a um dos braços. Compreendes a sua atrapalhação. Sentes até simpatia. Reconheces no estrangeiro um duplo, é um estranho diante da bola, que transpôs a rede, não diante de outro homem. Como Édipo diante da Esfinge ele é posto à prova: não há antes nem depois, o tempo é descontínuo, todo o mundo acontece no absoluto do instante. Se não erra, a questão reconduz ao momento da interrogação, de novo, pela primeira vez: um será aniquilado e outro triunfará. O seu destino reflecte a dualidade de uma mesma realidade. Não te esqueças disto: no ténis, como na vida, os erros acarretam consequências muito mais profundas do que os actos que emanam das tuas boas qualidades.

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