Não sou daqueles cujos ossos se guardam,
nem sou sequer dos que os vindouros lamentam
não hajam sido guardados a tempo de ser ossos.
Igualmente não sou dos que serão estandartes
em lutas de sangue ou de palavras,
por uns odiados quando me amem outros.
Não sou sequer dos que são voz de encanto,
ciciando na penumbra ao jovem solitário,
a beleza vaga que em seus sonhos houver.
Nem serei ao menos consolação dos tristes,
dos humilhados, dos que fervem raivas
de uma vida inteira e pouco traída.
Não, não serei nada do que fica ou serve,
e morrerei, quando morrer, comigo.
Só muito a medo, horas mortas, me lerá,
de todos e de si disfarçando,
curioso, aquel' que aceita suspeitar
quanto mesmo a poesia ainda é disfarça da vida.
Jorge de Sena, A Arte de Jorge de Sena, 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário