sábado, 7 de julho de 2012

Aborrecimento

     - Diz lá - perguntou de repente o animado Avdéev a Panov -, acontece-te alguma vez ficares aborrecido? 
     - Que aborrecimento pode haver? - respondeu Panov a contragosto.
     - Comigo, às vezes o enfado é tanto que nem sei o que sou capaz de fazer comigo.
     - Não me digas! - disse Panov.
    - Daquela vez, lembras-te? Derreti o dinheiro todo na bebedeira, só por causa desta chatice. Tomou conta de mim, e pensei: vou emborrachar-me até cair.
     - Às vezes ainda se fica pior com os copos.
     - Mas também, o que se pode fazer?
     - E é porquê, esse teu aborrecimento?
     - Porquê? Porque tenho saudades de casa!
     - E como era a tua vida, a tua família é rica?
     - Ricos não, mas vivíamos bem. Nada mal, até.
     E Avdéev pôs-se a contar o que já tinha contado muitas vezes a Panov.
     - Alistei-me por minha própria vontade, na vez do meu irmão. Ele já tinha cinco filhos, e eu não, tinha acabado de me casar. E a minha mãe pediu-me tanto. Pensei: não me importo! Mais tarde talvez me agradeçam o bem que lhes fiz. Fui falar com o meu senhor. O nosso senhor é bom, disse: «Fazes bem, rapaz, vai!» E vim, em vez do meu irmão.
     - Fizeste bem - disse Panov. 
     - Mas agora é um tédio, acredita. E aborreço-me sobretudo porque vim na vez do meu irmão. Penso: ele agira está a viver como um rei, e eu aqui a sofrer. Quanto mais penso, pior me sinto. É uma tentação, acho eu. 
 
Lev Tolstói, Hadji-Murat, Relógio d'Água, 2009. 
    

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