quinta-feira, 11 de abril de 2013

Zbigniew Herbert, «Calígula»


Lendo velhas crónicas, poemas e vidas, o Sr. Cogito experimenta por vezes uma sensação de presença física de pessoas há muito falecidas

Diz Calígula:

de entre todos os cidadãos de Roma
amei apenas um
Incitato – o cavalo

quando entrou no senado 
a irrepreensível toga do seu pêlo
brilhava imaculadamente entre covardes assassinos orlados de púrpura

Incitato era só virtudes
nunca discursava
natureza estóica
creio que de noite no estábulo lia os filósofos

ameio-o tanto que um dia resolvi crucificá-lo
mas a sua nobre anatomia não o permitiu

aceitou com indiferença a dignidade de cônsul
exercia a autoridade da melhor forma possível
isto é não a exercia de todo

não se pôde convencê-lo a manter relações amorosas estáveis
com a minha querida esposa Cesónia
e assim tristemente não surgiu uma linhagem de Césares-centauros

por isso Roma caiu

decidi proclamá-lo um deus
mas no nono dia antes das calendas de Fevereiro
Quereia Cornélio Sabino e outros idiotas frustraram as
minhas piedosas intenções

recebeu com tranquilidade a nova da minha morte

expulsaram-no do palácio e condenaram-no ao exílio

suportou este golpe com dignidade

morreu sem descendência
abatido por um rude açougueiro do lugarejo de Âncio

sobre o destino póstumo da sua carne
Tácito cala-se



Zbigniew Herbert
tradução de Izabela Stapor, José Pedro Moreira e Tatiana Faia
ítaca 3, Lisboa, 2012

Ver e descarregar os poemas de Herbert traduzidos na ítaca aqui.

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