A mãe dele estava nesse instante
enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se
do que uma cozinheira lhe contara do tempo de orfanato. Não tendo
boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no
coração das orfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a
morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver num armário até a
freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e
comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la,
consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos
pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar.
Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a
ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que
mataremos por amor.
Clarice Lispector, A menor mulher do
mundo in Laços de Família. Edições Cotovia, 2006.
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