segunda-feira, 6 de maio de 2013

o purgatório acabou

   ela estendida na cama a coçar a barriga da perna e eu a hesitar se a atirava ou não pela varanda para assistir aos nove andares da queda, ao remoinho das saias, aos molinetes dos braços, eu, após o baque no alcatrão, a tirar um espumante comemorativo da despensa, a informar o bicho

- Podes sair do reposteiro, gato, que o purgatório acabou

   finalmente dona do meu tempo, finalmente silêncio, finalmente sossego, o regresso a casa sem promessa de inferno, sem lágrimas nem gritos a aguardarem-me


António Lobo Antunes, A morte de Carlos Gardel

Sem comentários:

Enviar um comentário