Escrever é desconcertar, perturbar e, em certa medida, agredir. Alguém se encarregará de instuticionalizar o escritor, desde os amigos, os conterrâneos, os companheiros de luta, até todas aquelas pessoas que abominou e combateu. Acabarão por lhe encontrar coerência, evolução harmoniosa, enquadramento numa tradição. Servir-se-ão delem, utilizá-lo-ão, homenageá-lo-ão. Sabem que assim o conseguirão calar, amordaçar, reduzir.
É claro que falo do poeta e não do poetrasto, do industrial e do comerciante de poemas, do promotor da venda das palavras que proferiu. Falo do homem que nunca repousou sobre o que escreveu, que recusou a servir-se a si e a servir, que constantemente se sublevou.
Falo do homem que, ombro a ombro com os oprimidos, empunhando a palavra como uma enxada ou uma arma, encontrou ou pelo menos procurou na linguagem um contorno para o silêncio que há no vento, no mar, nos campos.
Ruy Belo, Transporte no Tempo, Moraes Editores, 1973.
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