domingo, 31 de março de 2013

E nada disto importa

O dia da despedida, lembro-me dele como de uma coisa que se tivesse passado durante uma anestesia; o cansaço, o sono, a saudade, a agitação entravam e saíam de mim numa leveza gasosa. Já nem me lembro bem da família que lá estava e não estava. Mas, do barco, procurei-te sem te encontrar: uma tia Luísa minúscula disse-me, por gestos, que te tinhas ido embora, e foi só então que eu tive a certeza de que me ia embora. Fui para o camarote e sentei-me na cama e ouvia os gritos e os choros sem pensar em nada, e não chorei porque um homem não chora. E nada disto importa porque nos temos um ao outro até ao fim do mundo. Ao barco chegavam constantemente telegramas, recebi dois da tua família mas nenhum de ti. Ainda fui várias vezes ao comissariado mas não havia lá mais nada para mim.

António Lobo Antunes, D'este viver aqui neste papel descripto. Cartas da guerra.

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