A vida é um sonho de que jamais
conseguimos despertar, uma sucessão de “tempos-seres”, todos
igualmente irreais, misteriosamente ligados entre si, não por um
“eu” qualquer de que seriam manifestações, mas pela mera
recordação de um lugar de origem, de uma ausência que rodeia
aquilo a que chamamos vida e que escorre por entre esses momentos
como um fio de nada. Na verdade, esta experiência da vida como pura
ausência de si mesma e do mundo não é, em Fernando Pessoa, senão
o espelho invertido da vertigem ontológica que o jovem autor do
Fausto experimentou perante algo de mais original e de mais
estranho do que a consciência da nossa ausência de ser, da nossa
evanescência. Essa vertigem é-lhe causada pelo facto de existir, ou
de forma mais radical, pelo facto em si da existência. O facto de
não haver nada, mistério nenhum, por detrás daquilo que já ali
está, esteve e estará sempre ali, inspira-lhe não só o espanto
fundamental e incomensurável da filosofia, como também um
sentimento que a palavra “horror” mal pode exprimir.
Eduardo Lourenço, O Lugar do Anjo, Ensaios Pessoanos. Gradiva, 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário