sexta-feira, 15 de março de 2013

A vida é um sonho de que jamais conseguimos despertar, uma sucessão de “tempos-seres”, todos igualmente irreais, misteriosamente ligados entre si, não por um “eu” qualquer de que seriam manifestações, mas pela mera recordação de um lugar de origem, de uma ausência que rodeia aquilo a que chamamos vida e que escorre por entre esses momentos como um fio de nada. Na verdade, esta experiência da vida como pura ausência de si mesma e do mundo não é, em Fernando Pessoa, senão o espelho invertido da vertigem ontológica que o jovem autor do Fausto experimentou perante algo de mais original e de mais estranho do que a consciência da nossa ausência de ser, da nossa evanescência. Essa vertigem é-lhe causada pelo facto de existir, ou de forma mais radical, pelo facto em si da existência. O facto de não haver nada, mistério nenhum, por detrás daquilo que já ali está, esteve e estará sempre ali, inspira-lhe não só o espanto fundamental e incomensurável da filosofia, como também um sentimento que a palavra “horror” mal pode exprimir.

Eduardo Lourenço, O Lugar do Anjo, Ensaios Pessoanos. Gradiva, 2004.

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