Na casa térrea e húmida de Butadès, oleiro
grego, na alcova da filha, Dibutadès, entrou; por
toda a noite ficou o amante.
Ele ia partir, pelo alvor da madrugada para outra
cidade.
A luz de uma candeia
lançava sombras, centelhas
na parede junto ao leito. Enlaçados trocaram juras,
votos, mas não se resignavam um e outro ao rosto da
ausência.
O jovem - Plínio, o Antigo, não refere o seu nome -
em volúpia, ainda por inteiro não ardida,
cingiu-a de novo, e uma vez mais, para a guardar através
do amor que queria em desmesura no
leito da despedida.
Dibutadès perdia-se de dor na imagem do amante, que
já sentia afastar-se na distância, como uma pétala
dobrada, pálida cor a luz da cera desfazia. Nesse instante
de muita tristeza percebeu no chão uma goiva, com a
qual o pai abria sulcos no barro para dar forma às figuras
negras. Pegou nela, e reclinada sobre o ombro
amado
estendeu o braço para a sombra que
o corpo de vertigem e tom de prata magoada fazia. E
lançou-o na parede. Riscou o contorno até se tornar
vívido e real «Porque vais para a cidade,
longe. Fico com o espelho da tua sombra. O meu olhar
tem todas as noites o cofre onde guardo, de ti,
a raiz do teu corpo.»
João Miguel Fernandes Jorge, Sobre Mármore, Teatro de Vila Real, Outubro de 2010.
Sem comentários:
Enviar um comentário