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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Respirar é já consentir

Um sábio levantar-se-á mais prontamente para impedir uma porta de bater do que para se opor a um homicídio que se cometa sem grande alarido numa divisão ao lado. É que quem dedica a sua vida aos cálculos e à meditação conhece o preço do silêncio. Cabe aos eternos distraídos entregar-se às distracções...
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Nada de orgulhos. Respirar é já consentir. Seguir-se-ão outras concessões, todas ligadas umas às outras. Aqui está uma. Basta, detenhamo-la.

Henri Michaux, Antologia, Margarida Vale de Gato (trad.), Relógio d'Água, 1999.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Nem tudo é duro no crocodilo. Os pulmões são esponjosos e ele sonha à beira-rio.
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A cada século a sua missa. De que é que está à espera para instituir uma grandiosa cerimónia do fastio?
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A árvore não se interessa pelo delírio do pássaro.
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Quem esconde o seu louco, morre sem voz.
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Quem canta em grupo há-de meter, quando lhe pedirem, o seu irmão na prisão.

Henri Michaux, Antologia, Margarida Vale de Gato (trad.), Relógio d'Água, 1999.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De «Pensando no fenómeno da pintura»

Rostos de infância, dos medos de infância cujo enredo e o objecto nos esquecemos mais depressa do que a sua memória, rostos que não acreditam que tudo se tenha resolvido com a passagem à idade adulta, que ainda temem o terrível retorno.
Rostos da vontade, talvez, que nos precede sempre e tende a predeterminar todas as coisas; rostos também da busca e do desejo.

Henri Michaux, Antologia, Margarida Vale de Gato (trad.), Relógio d'Água, 1999.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Um excerto de a «A Carta»

Não nos reconhecemos nos silêncios, não nos reconhecemos nos uivos, nem nas nossas grutas, nem nos gestos dos estrangeiros. À nossa volta o campo é indiferente e o céu sem intenções.
Olhámo-nos ao espelho da morte. Olhámo-nos ao espelho do selo violado, do sangue que corre, do impulso decapitado, no espelho carbonizado das afrontas.
Regressámos às fontes glaucas.

Henri Michaux, Antologia, Margarida Vale de Gato (trad.), Relógio d'Água, 1999.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Medo do deserto

Estes homens riem. Riem.
Agitam-se. No fundo, não ultrapassam um grande silêncio.
Dizem «lá». Estão sempre «cá».
Não se vestem de qualquer maneira para chegar.
Falam de Deus, mas é com as suas folhas.
Lamentam-se. Mas é só vento.
Têm medo do deserto.

Henri Michaux, Antologia, Margarida Vale de Gato (trad.), Relógio d'Água, 1999.