quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Chega perto, mar.

Por vezes chega, repentina,
uma hora em que o teu desumano coração
nos assusta e do nosso se separa.
Da minha a tua música discorda,
então, e é meu inimigo todo o teu desafio.
Sobre mim me dobro pois, vazio
de forças, a tua voz parece surda.
Detenho-me sobre o pedregal
que em direcção a ti se estende
até à escarpada margem que te domina,
quebrada, amarela, sulcada
de charcos de água da chuva.
A minha vida é este declive seco,
meio e não fim, caminho aberto à foz
dos regatos, lento desmoronamento.
É também esta planta
que nasce da devastação
e na face recebe os golpes do mar e está suspensa
entre as erráticas forças dos ventos.
Este bocado de solo sem verdura
abriu-se para que uma margarida aí nascesse.
Com ela hesito junto ao mar que me fustiga,
falta ainda o silêncio na minha vida.
Olho a terra que cintila,
o ar é tão sereno que é sem cor.
E isto que em mim cresce
é talvez o rancor
que todo o filho, ó mar, tem pelo pai.


Eugenio Montale, Poesia, Assírio e Alvim, José Manuel de Vasconcelos (trad.), 2004.

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