As relações entre arte e moral são
extraordinariamente simples, pois tanto os defensores de que não há
qualquer relação, como os seus opositores, têm razão.
Objectivamente, não existe qualquer razão entre arte e moralidade,
pela simples razão de que arte é arte e moralidade é moralidade,
e pela mesma razão por que não existe qualquer relação entre a
verdade e a moralidade. No entanto, a moralidade, sendo o esforço
para elevar a vida humana, para lhe dar um valor humano, tem
consequentemente relações com toda a vida humana. E a vida humana
inclui a arte e a verdade.
As mesmas relações existem entre
beleza e verdade. Eu posso, se estiver ao meu alcance, basear um
poema esplêndido no pressuposto de que o Sol se move em redor da
Terra; nenhuma injúria a Copérnico afectará necessariamente a
cadência do meu verso. Todavia, na mesma medida em que utilizo um
pressuposto manifestamente errado, assim farei com que o meu poema
perca o contacto com a vida – ou seja, ainda que não perca o
contacto com a arte, perdê-lo-á com aquilo a que a arte pertence.
A minha mentira não prejudicará o
efeito artístico do meu poema, mas arruinará o efeito de elevação
de que o efeito artístico é apenas um aspecto. É que – e aqui
tocamos no chão – elevar é a finalidade da arte mais sublime, e o
seu fim é, por conseguinte, idêntico ao da moral. O meu poema pode
elevar como um poema; deixará de elevar como produto vivente.
Fernando Pessoa, Heróstrato e a
busca da imortalidade, Manuela Rocha (trad.) Assírio &
Alvim, 2000.
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