segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Comboio

À minha frente no Intercidades vai um tipo sentado com um telemóvel igual ao meu. O rapaz vai a ler uma revista tipo playboy (tanta mulher semi-vestida ou semi-despida deve ser coisa do género) e de repente um telefone toca. Eu acho que é o meu. Mas é o dele. Ao mesmo tempo que o rapaz fala com a namorada e garante que acabou de enviar três mensagens vai olhando para a Nádia (miúda seminua na revista), o título do texto onde vêm as fotos da menina é, justamente, «Nádia a esconder». Acabo o Dobra e começo a ler o Joyce. O telemóvel toca a viagem toda. A namorada que o rapaz gostava que fosse a Nádia interrompe o funeral no Joyce pois sempre que o telefone do moço toca acho que é o meu.

9 comentários:

  1. Desconfio que está enganada, Tatiana, na cabeça do rapaz a namorada é uma pessoa, a «Nádia» é o nome de um corpo que ele olha e aprecia «às postas». Não me diga que nunca lhe aconteceu? :-)

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  2. Caro contador antropomófico, se me aconteceu apreciar «às postas» um ser humano, espero que não, nem mesmo quando não tenho sequer tempo para pensar em pessoas enquanto pessoas (gente que passa por mim demasiado depressa, que são só um nome ou uma fotografia),tendo sempre a tentar imaginar o que será delas, isto se me despertam alguma curiosidade: o que são, o que fazem, etc. às postas aprecio apenas a pescada:D.mas nisto os homens são, dizem, diferentes das mulheres, parece, e eu percebo o que quer dizer. Se sou capaz de ficar impressionada com a beleza física de uma pessoa (acho que é isso que quer dizer quando fala no corpo que se aprecia «às postas»), homem ou mulher, sim, sou, mas desprezar alguém por quem sinta afecto para ficar a olhar para a fotografia de uma pessoa que entendo como objecto, espero que nunca o tenha feito ou faça, pelo menos não propositadamente. embora goste muito de livros e de ver/ler coisas bonitas («coisas» que estão para mim como a Nádia para o entendimento do moço) prefiro sempre o real ao papel. o moço do comboio que despachou a namorada ao mesmo tempo que lhe dizia que gostava muito dela e lhe tinha mandado três mensagens para ela o deixar em paz para ficar a olhar para a fotografia da Nádia, levou-me a imaginar que estava perante uma relação moribunda, which is kind of sad. se fosse só olhar e não despachar a namorada não me teria chocado nem um pouco, acho que o meu texto não explicou isso bem :D. saudações.

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  3. O meu «às postas» foi deliberadamente provocador, ainda bem que não ficou zangada :-)
    Agora ficou mais claro, sim. Não tinha entendido que ele «despachou» a namorada para ficar a ver a revista. O mais provável é que um dia destes ela o apanhe com as revistas na mão [e se forem só as revistas não será mau de todo...] e nessa altura resolva a questão, não é? :-))
    Saudações

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  4. :-) Ela do outro lado também não me pareceu uma criatura propriamente afável e simpática, a um banco de distância eu conseguia ouvi-la e ele usou demasiadas vezes a expressão «ai jesus» («ai jesus» juro que te enviei a mensagem,etc, etc...)

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  5. Então talvez seja caso para dizer que estão bem um para o outro. Assim não se estragam duas casas... :-)

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  6. O teu relato é tanto mais engraçado se tivermos em conta que esse pequenino livro que estás a ler é uma celebração obtusa do homem comum!

    - António

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  7. Sim, António, é verdade, mas tirava-lhe o obtusa.

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  8. Mas eu não disse aquilo com fitos depreciativos. :)

    Bem pelo contrário, há muito valor num livro que, celebrando o homem comum (e sendo-lhe francamente inacessível - ou obtuso, porque não?), o exorta a elevar-se ao nível do seu legado.

    (Entre outras coisas que, por pequenez de mente, nunca conseguiria sublinhar com a dignidade que merecem...)

    Boas viagens de comboio. :)

    - António

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  9. Eu sei :). Igualmente. Além disso, tem de ter em conta que ainda não li o livro todo e, por isso, a sua visão é mais abrangente do que a mina.

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