quarta-feira, 31 de março de 2010
Notre amour avait un pouvoir sur le monde
chacun était sous le charme
quand nous passsions à pas lents comme si
nous emmenaient à la fête
une barque et des chansons.
Débraillés, le duvet de la couverture
encore dans le cou
nos voix ressemblaient
aux voluptés du rossignol et du chacal
emmêlées dans l'air.
Nous savions les réponses
aux anges gardant les portes
qui sévèrement séparent la tristesse
de la terre et celle du ciel.
( - Oui, nous allons rester...
-Tant que cela dure...
-Nous admirons le renard quand il court...
-Nous écrirons des poèmes jusqu'au but de la
vieillesse
jus'à l'extrême douleur physique...)
Eu mantinha-me de pé
Jean Cocteau, O Livro Branco, Aníbal Fernandes (trad.), Assírio & Alvim, 2010
terça-feira, 30 de março de 2010
A Poesia Árabe do Séc. XI no Al-Andaluz
L'incorporelle 2.
une main fauche mes blés en moi
mon autre moi - celui connu du ciel - sous les étoiles
couchantes s'amenuise en phosphorescence et contact
L'ombre où je suis entré pour la troisième fois je ne l'ai
toujours pas apprise
Tes cheveux sont traversés de brume (tous les oiseaux
ensemble chassés par la chuit d'un fruit)
ta langue me dévisse de mon corps
Je suis la force et toi la faiblesse qui tel un félin attaque
afin qu'arrive la satiété
Jamais je n'ai été soleil de feu ni lézard sur une pierre
du mois d'août
Trois vies auparavant on dressa ma vue à dépasser le visible
et l'on planta dans ma tête un chêne rêvé qui te devine
ma mort palpitant de gain et de perte
d'incendie et de cendre
Et je t'ai rêvée incorporelle
dans ses propres climats et dans ses autres
dans sa pluie et dans sa Gréce à lui là-haut
dans son été infaillible.
Gran feu ne me change pas
d'une main j'attrape la hauteur et la change
pasteurs étoiles eux aussi louent ma poitrine impérissable
Nikos Karouzos in Le Sac de Couchage. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Comme les anciennes icônes I
aux couleurs usées au bois rongé
par la griffe amère du temps
qui de leurs yeux intacts
embués de larmes te regardent, sages
de tant de connaissance dans leur silence
de tant d'immobilité, d'isolement -
............................................de même
à travers le temps tu viens vers moi
et tes yeux douloureux me regardent
Anestis Evanghelou in La Pause. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000.
Um poeta grego: Nikos Engonopoulos (1907 - 1985)
Sofia Tolstói
She began keeping diaries at 16 but did so avidly after 1862, when she married Tolstoy. She never stopped writing in her journal until her death in 1919, as the Bolshevik revolution threatened to overwhelm Yasnaya Polyana, the 4,000-acre estate where she had lived for more than half a century.
Discurso de Péricles
domingo, 28 de março de 2010
Bebedeira no convento
O principal destes géneros estróficos é a moaxa, que acabará por ser exportada e apreciada em todo o mundo árabe, e que de resto continua hoje a ser cultivada, ainda que em moldes diferentes.
A moaxa é composta por 5 ou 6 estrofes, cada uma constituída por uma secção com rima independente, o ġuṣn (غـُصْن ، أغـْصان ou بيت ، أبيات), e outra, o qufl (قـُفْل ، أقـُفال), com rimas e estrutura iguais à kharja (خرجة), o qufl que encerra o poema. A rima do ġuṣn por vezes é interna, ente cada hemistíquio. Uma estrofe adicional, a maṭlaʿ (مَطـْلَع), encabeça a composição, reproduzindo a métrica da carja. Na sua ausência, a moaxa é chamada "careca". A kharja (do verbo kharaja, "sair"), que encerra o poema, pode ser em árabe clássico, árabe dialectal ou romance moçárabe.
Para os estudos românicos é especialmente relevante a kharja em língua moçárabe - o romance falado pelos cristãos (mas não só) do al-Ândalus. Mau grado as dificuldades inerentes aos alfabeto árabe e hebraico, que é como nos chegaram escritas, devido à ausência de escrita de vogais breves, são de uma importância fundamental para o estudo desse romance, na medida em que são os únicos textos que dele nos chegaram (descontando as palavras soltas em obras gramaticais e botânicas).
Em seguida apresento uma tradução provisória de uma moaxa do Cego de Tudela (s. XII), com kharja moçárabe, que assinalo em itálico.
Transliteração da kharja, com o texto moçárabe em itálico:
'amânu 'amânu yâ lamalîḥ ġâri
burkî tû kirš bi-l-lâhi matâri
0 (maṭlaʿ)
Uma destas noites fomos a um convento para a vinhaça,
por entre guardas e camaradas.
1
A correr, uma menina nos trouxe vinho.
Recebeu-nos com hospitalidade e respeito,
e jurou pelos Evangelhos:
“Não o vesti senão com pez,
e no fogo não foi posto nenhuma vez!”
2
E eu disse-lhe: tu, ó mais formosa de todas,
acaso tens a bebida no copo?
Ela disse: “Isso não nos incomoda de todo,
Pois assim o bebemos nos escritos
dos monges e dos bispos.”
3
Confesso-vos, ó gente nobilíssima,
estou preso de paixão por Ahmad:
tem uns olhos que matam de indiferença.
Escondi a paixão em segredo no meu íntimo,
mas as minhas lágrimas desvelaram os meus segredos.
4
As lágrimas do amante desvelaram a paixão,
pois a sua face é como a Lua cheia no horizonte;
tem olhos que matam as criaturas.
E quantos ferozes leões foram mortos
e para os caídos do amor não há vingança.
5
Uma miúda foi encantada por ele,
ficou doente com a rejeição e o orgulho,
recitou e cantou-lhe:
“Piedade, piedade, ó formoso!, diz:
por Deus, porque [me] queres tu matar?”
-
(Tradução minha a partir do original árabe e moçárabe.)
Le ver dans le corps
mon corps grince
qu'on me piétine
ou qu'on m'évite
il grince
on dirait l'annonce
de ce qui vient
le regret
de ce qui s'en va
quoi que je fasse il grince
desséché vidé
Um poeta grego: Yorgos Themelis
sábado, 27 de março de 2010
Rerum Vulgarium Fragmenta (1.ª Versão)
um muro baixo e sujo ao longo de março
correndo pelas praias de handaye
ou a velha que leva o marido curvado pela mão
os cabelos vermelhos da rapariga
uma casa baixa e caiada
ribatejana no pino do verão e demasiado
próxima do sangue à hora da canícula
um bilhete de comboio para madrid
o lugar onde um homem
há muitos anos atrás escreveu um poema
para uma mulher chamada muriel
um quarto sobre a cidade
com uma enorme janela rasgada na parede
o barulho de raparigas cantando entre pássaros
homero e a sua voz feita de bronze e freixo
um verso de álcman esquecido nas folhas de um livro roubado
o ritmo do hexâmetro tacteando a casa fechada
coisas tão antigas como o assomar do corpo indeciso
junto ao umbral – a mulher precipitando-se no choro
a distância de uma manhã sobre o pacífico
um bilhete de autocarro no bolso
paris milão trieste três dias
os lugares onde não estive onde não estou onde não estarei
o rapaz indefeso que entre caixas de madeira
me estende uma romã e continuamente chora
um choro de sépia na fotografia uma memória
de rios que me atravessaram para o curso de um naufrágio
a brancura de um dia de agosto remoendo
sobre pedras brancas coisas que me foram contadas:
os prisioneiros gregos enforcados em cordas de roupa
para que os soldados alemães poupassem as suas balas
a irrespirável atmosfera de alexandria num mês de julho
descendo a avenida batida por ventos etésios
um rei miserável e a sua escolta
com armas adornadas de ouro e prata
um cavalo negro precipitando para a frente a cabeça
impetuoso como a investida de um pássaro
que se precipita desde muito alto
que lança o seu canto e fere a manhã como o golpe de um dardo
xerxes lançando correntes ao mar
ofensa aos deuses tentar a travessia do bósforo
as folhas e os frutos verdes na primavera apodrecidos no verão
o gato da cor do sangue brilhando ao sol
dois irmãos que um ao outro se matam
a golpes de espada e lança ou
só a vaga coreografia da flor que delicadamente
fenece entre as tuas mãos indiferente ao tempo que corre
versos espreitando dentro da sujidade de cinzeiros
a rápida sucessão de palavras que se precipitam
sobre o movimento do corpo enquanto música
a sudden blow: the great wings beating still
above the staggering girl her thighs caressed
by the dark webs, her nape caught in his bill,
he holds her helpless breast upon his breast
uma manhã fria eivada de sal virada para o mar
tudo o que tiveres sido como se lá estivesses estado
outros sobre a tua vida te têm vivido
ao acaso como se fosse possível
alguma vez saber em que ponto já te terá parado o coração
que âncora ou porto ou hora do dia ou da noite
te trará de volta ao centro à pulsação de cada dia
à música que vem ténue e te traz pela luz
e acerta o passo por graça e mão de algumas vozes
que incertas te cercam de esperança
Tatiana Faia
Catulo LVIII
essa mesma Lésbia, única que Catulo
mais do que a si amou e a todos os seus,
agora nos cruzamentos e vielas
esgalha os netos do magnânimo Remo. 5
sexta-feira, 26 de março de 2010
Les Montagnes
Je suis né entouré d'îles
je suis une île surgie le temps de voir
la lumière, dure comme la pierre
puis sombrer.
Les montagnes sont venus aprés
Je les ai choisies.
Il fallait bien que je partage un peu le poids
écrasant ce pays depuis des siècles.
Titos Patrikios in Arrêt Facultatif. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000.
Takis Sinopoulos (1917 - 1981)
Alguns poetas são um exemplo a seguir:
Karouzos conta-se talvez entre aquele tipo de homens que tende a tornar-se naquela fala de Macbeth (em Macbeth de Shakespeare, evidentemente): There would have been a time for such a word. /To-morrow, and to-morrow, and to-morrow,/Creeps in this petty pace from day to day/ To the last syllable of recorded time,/ And all our yesterdays have lighted fools/ The way to dusty death. Out, out, brief candle!/ Life's but a walking shadow, a poor player/ That struts and frets his hour upon the stage/ And then is heard no more: it is a tale/ Told by an idiot, full of sound and fury,/ Signifying nothing.
Abençoado seja
Nota: O que o cardeal José Saraiva Martins considera "uma conspiração" é uma notícia do New York Times, onde se denuncia que o Vaticano encobriu um padre americano acusado de ter abusado de 200 crianças surdas. O porta-voz do Vaticano reconhece que os abusos se verificaram, mas, como a história só lhes chegou vinte anos mais tarde, "as leis da Igreja não exigem uma punição automática". É, de facto, revoltante que se fale em público desses assuntos "domésticos".
Um excerto de «Nekrodeipno» («O Festim da Morte»)
year upon year quickening the lost faces, and from the
windows came
glory, dull golden light, benches and tables all about and
windows mirroring the underworld. And they came
dismounting one after the other,
Porporas came and Kontaxis, and Markos, and Gerasimos,
dark hoarfrost on the horses and the day slanting down
through quiescent air, Bilias came and Gournas,
gypsies imprinted on the dusk, and Fakalos, carrying
mandolins, flutes, guitars,
the soul leapt at the sound, the house smelt everywhere
of rain and wood, and when,
only when they'd lit a great blaze to warm themselves,
then only did I call to them.
There came Sarris, and Tsakonas,
Farmakis, Toregas, and
Face pox-scarred, bitter, clawed the ground with his nails
by the castle at Akova, he bled, babbled of torture and
debauchery, so dark was he that I became afraid, ran
stumbling off down the hill.
We took the low road, ashes everywhere, iron, burnt earth,
a black X painted on the doors and you knew death had
passed this way, days and nights with the machine guns
reaping
and you would hear oh! and nothing more. And many
came. Before them came Tzannis, Eleminoglou, Paparizos,
followed by Lazarithis, and Flaskis, and Konstantopoulos -
no one knows in which church they were laid to rest, in
what ground buried.
Then I helped him climb out, he'd fallen backwards in the
ditch, and as I held him he died in my arms, and the next
month his wife smelling of grass, at noon deep in the
garden telling her how he died, the full dark body
whimpered on my chest, at night the forests would glow
and the roots would glow, for years and years the voice
persisted and.
Moon, moonlight, close days, winter building itself a tower
of stone, sunless and hard, I heard the first knock and the
next, at dawn they smashed open the doors and dragged
us out breathless, "wait here", and so much light was dawning.
There came old men and children.
How could they survive in such ragged clothes,
how could the children grow up in such horror?
The old ones creaking, taller than their bodies.
And the children,
clutching the axe, the knife, the hatchet
contempt and menace in their eyes, nor did they speak.
Ditches, wastelands, mothers in black wailing, whom did
you kill, whom did you kill, how many have we killed?
So much blood and Loukas' hands, and others severed at
the wrist, we'd find them in the gully after months on the
move,
here today, tonight elsewhere
murderers, narks, thieves and fornicators, soldiers,
policemen, householders and shopkeepers
and many others riding on time's back and amongst them
ruin's daughters stepped out, hunger and fever, put up
against the wall, an ill wind blew. And there came
Fanni and Litsa sweet-apple trees, Dona came and Nana,
slim as the wheat, Eleni's maidenhair still green,
laurels, myrtles, wild vines
small lost rivers.
And one morning,
that morning when I woke the tree had turned all green,
I loved it so much that it rose to the sky.
And there came birds, birds of sunlight and joy, filling the
place with colours and feathers, perwits and felderels and
other such fantastic species, skimmers and calicocks and
morrowdims, and
gifts of the Lord, merry birds, constant slashes in the blue
sky. And among them came
Yannis Makris, Petros Kallinikos, Yannis the lame.
We sat on the embankment, Rouskas took out his pocket-knife
and cut down the young grass.
And mist over the plain. And you could hear spring
coming, a door whose wood smelt of the sky.
Then came the days of forty-four
and the days of forty-eight.
And from the Morea up to Larissa
deeper yet into Kastoria,
a black pestilence on the map,
Greece's breath rasping -
we held a count that Easter in deserted Kozani,
how many stayed on high, how many travelled on
stone, branch and hill,
down the dark river.
Prosoras came holding his broken rifle,
Alafouzos, and Bakrisioris, and Zervos
approached the gathering. Look, I shouted, and we
looked:
a flood of light, the fruitful sun a monument
to the obscure dead. The years have passed, I told them,
our hair's turned grey.
Tzepetis came, and Zafoglou and Markoutsas
they settled themselves on the bench
while Konstantinos nursed his foot at the far end.
The voices gradually grew calm.
Gradually, as they had come, they vanished,
slipped down the valley, scattering in the wind.
For the last time I watched them, called to them.
The fire sank to the ground and from the windows came -
How just a single star can make night navigable.
How in the empty church is the unknown dead anointed
his body laid to rest among the flowers.
Takis Sinopoulos (1972), traduzido do grego para inglês por John Stathatos.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Catulo XI
mesmo que ele avançasse até aos confins da Índia,
lá onde a costa, ressoando ao longe, pela vaga
do Este é batida,
mesmo que até aos Hircanos ou aos indolentes Árabes 5
ou aos Sagas ou aos sagitíferos Partos,
mesmo que até às águas que o rio de sete embocaduras,
o Nilo, tinge,
mesmo que os altos Alpes atravessasse,
contemplando do grande César os monumentos, 10
o Reno Gálico, horrenda torrente,
e os remotos Bretões,
tudo isto, seja qual for a vontade
dos celestes, ambos igualmente estais dispostos a suportar,
estas parcas palavras comunicai à minha menina, 15
não boas de se dizer:
que ela viva e passe bem com os seus amásios,
que os possua nos seus braços aos trezentos de cada vez,
nenhum na verdade amando, mas a todos de igual forma
rebentando com as ilhargas; 20
nem espere, como dantes, o meu amor,
que por culpa sua caiu por terra como a flor
da orla do prado, tocada
pelo arado que passa.
Plus Proche
J'ai aimé les vivants
mais mon coeur était plus proche
des rudes malades aux larges ailes
des fous superbes sans limites
et d'autres merveilleusement morts.
Miltos Sakhtouris in Le vase. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000
La Métamorphose
je me réveillerai
étoile
je laverai le sang
de mes mains
j'arracherai les clous
de ma poitrine
je n'aurai plus peur de la foudre
plus peur du coq
égorgé
un jour tu me l'as dit
je me réveillerai
étoile
alor
tu seras un oiseau
peut-être même un paon
et moi je serai proclamé
innocent
quarta-feira, 24 de março de 2010
What did it
that the great sage
Nisargadatta Maharaj
once offered him a cigarette,
"Thank you, sir, but I don't smoke."
"Don't smoke?" said the master,
....."What's life for?"
Um conhecido meu disse-me
que o grande sábio
Nisargadatta Maharaj
lhe ofereceu uma vez um cigarro,
"Obrigado, senhor, mas não fumo."
"Não fuma?", disse o mestre,
....."Para que serve a vida?"
Leonard Cohen, Livro do Desejo, edições quasi, Vila Nova de Famalicão, 2008 (trad. de Vasco Gato)
La Prison
contres et cris déchirants. Puis le silence, étrange ins-
tant dont j'avais mal.
Je pensais à un poème qui
détruirait d'un coup la prison, et le temps tout entier.
C'est pour toi
Les hommes les arbres qui te ressemblent
Toute ce qui bouge et respire et la pierre éternelle
Et le flot partageant tes espaces
Et l'eau chantant l'amour
C'est pour toi et c'est toi
Qui marche dans les miroirs
Et partout dans les choses
Mes soeurs si proches
Et cette table tendre qui voit
Dans son sommeil les deux ailes de tes mains
Et cette table tendre qui entend
Ton écho secret dans son épais silence
C'est mon coeur qui te soutient comme un drappeau
C'est mon coeur qui te accueille comme un ciel
terça-feira, 23 de março de 2010
sans un geste j'accomplis
une foule de gestes je sens
le moindre geste
plaisir
tu es du temps le terrible
principe où se rencontrent
privation et multitude
angoisse durable le temps
inlassable inexorable
où j'endure, tout dure
où je me trouve, je me retrouve
et vois
à travers l'espace du temps
le temps du corps, qui prend corps.
Vulcão
eu sei que ao abrir e fechar a porta
as chaves da minha amargura te acordam.
Não é uma sirene,
o uivo do lobo,
nem sequer um estrondo que começa nos
alicerces
e sobe vertiginosamente para as têmporas.
É como uma pancada surda que acontece
ao longe,
nos santuários do fogo,
e vem,
martelando os seus tambores ardentes,
atirando a lava que desce para o pavor
dos filhos,
para a sua música de sinos arrancados ao
céu.
José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da nossa Morte, Assírio & Alvim, 1998
segunda-feira, 22 de março de 2010
Marche
sur les cailloux des étoiles - cheminant seul
pour l'amour des hommes. Il était fait, cet homme-là
pour le bonheur du monde. On l'a empêché. On lui a
pris.
ce qu'il pouvair donner de plus: sa confiance
en ceux-là même qui le refusaient. À présent
il se promène, deux fois seul, sur la rive. Il regarde. Ne
récolte bien.
Des ombres de barques raient l'or du couchant,
dans le grand silence de la beauté délaissée.
Inachevé, plein d'amertume, je reviendrai frapper à ta
porte.
Yannis Ritsos, in Correspondances. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000
Chegámos a Ítaca
Tições ardentes
Se no teu coração há tições ardentes então não espalhes os seus segredos
pois receio o seu fogo no jardim ou nas suas flores
ʿA'ixa al-Iskandarâniya
Tradução: André Simões
tradução provisória
إذا كانَ قَـلْبُكَ ذا جاحِم فلا تَبْعَشَنَّ بِأسرارِهِ
فإني لأشْفِقُ من نارِهِ على الرَوضِ أو بَعْضَ أزْهارِهِ
Berkeley, 1964
domingo, 21 de março de 2010
Poésie 1948
du déchiremente d'un peuple
n'esp pas faite
pour la poésie
et ce genre de choses:
quand on s'apprête
à
écrire
c'est
comme si
on écrivait
sur l'autre face
d'un faire-part
de deuil
voilà pourquoi
mes poèmes
sont pleins d'amertume
(quoi de changé au fond?)
et surtout
si rares
Nikos Engonòpoulos in Éleusis. Anthologie de la poèsie grecque contemporaine: 1945:2000, Michel Volkovitch (trad.), Gallimard, 2000
sábado, 20 de março de 2010
os assassinos do Estado
Thomas Bernhard, Antigos Mestres, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003 (trad. de José A. Palma Caetano)
sexta-feira, 19 de março de 2010
Caderno
talvez nem isso -
cabe num mísero caderno onde o esplendor não
lança os seus raios.
De mais ou menos palavras se faz o tempo de
semear,
mas nenhuma colheita retomará o calor do feno,
nada que se possa tocar com a alegria dos dedos,
nada de inocente e sagrado
que nos deixe adormecer sobre o linho.
José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da nossa Morte, Assírio & Alvim, 1998
quinta-feira, 18 de março de 2010
Desamparo
habitado pelas trevas.
Quando os lobos uivam e aberta já está a lua,
as flores amargas dos teus olhos
desfazem-se aos meus pés.
E o pó, as cinzas, os restos de tudo o que
respirava,
amontoam-se à beira deste mar.
José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da nossa Morte, Assírio & Alvim, 1998
Dopo lo spasimo della luce
la cenere ricopre di bende
la sera della terra.
C'è silenzio lungo le piste
che portano ai focolai spenti.
Ora bisognerà liberare il suolo,
curarlo, coltivarlo ed attendere
con affettuosa cautela nuove piante.
Ora si dovrà preparare un nuovo incendio.
A floresta dos meus pensamentos está em chamas
Depois de endoidecer de luz
a cinza recobre de faixas
o entardecer da terra.
O silêncio demora-se através de caminhos
que levam a leitos gastos.
Agora será necessário limpar o solo,
vigiá-lo, cultivá-lo e esperar
com afectuoso cuidado as novas sementes.
Será depois tempo de preparar o novo incêndio.
quarta-feira, 17 de março de 2010
o azioni che pendono (da lontano)
sono spostamenti tra le cose
il presente è invisibile
tutto è uguale lunghissimo
ogni nome ogni cosa
per cui né in ginochio né in piedi
tutto avviene al suo posto
le bende sono al sole
le crepe asciugheranno.
Siamo ubbidienti ubbidienti ubbidienti
le protesti si sbiancano
la luce è troppo forte
di fronte al girasole siamo in dubbio
(anche mentire -- qualunque cosa!
ci assorbe ti dico)
Angelo Lumelli in Italian Poetry: 1950 to 1990, Ridinger and Renello (eds.), Dante University Press, 1996.
O epitáfio de Seikilos
Manga Ancha 3
Aqui fica a apresentação de mais um número desta excelente revista, que conta, do lado português, com as contribuições de Filomena Alves (conselho editorial e traduções), Adalberto Alves, David Machado, José Riço Direitinho e Risoleta Pinto.
- Algés- Livraria Ideal
- Aveiro- Livraria da Universidade
- Lagos: Livraria Livros da Ria Formosa
- Lisboa- Círculo das Letras
- Lisboa- Livraria Barata
- Lisboa- Livraria Pó dos Livros
3.
in righe misteriose di dolore
mentre spostano i confini
che trascinando hai lasciato
poi il riconoscimento del soprannome
il momento preciso in cui il gioco finisce
Silvana Colonna in Italian Poetry: 1950 to 1990, Ridinger and Renello (eds.), Dante University Press, 1996
terça-feira, 16 de março de 2010
su assicella, su vetro,
in un punto che stormire
e trepidare come foglia e topo
fosse risposta smodata.
Oppure se cadesse dal ramo
più alto un biglietto:
sta nell'erba come un frutto,
dondola fra più e meno,
e verso il tuo pendio.
Cesare Greppi in Italian Poetry: 1950 to 1990, Ridinger and Renello (eds.), Dante University Press, 1996
Latim
Lorenzo Valla in Elegantiarum Libri Sex (esta obra circula a partir de 1441.)
Uma morte assim
por ordem alfabética
e vira as ampulhetas o futuro é o último sangue
ainda não derramado
pouparão as muralhas os meus olhos em alvo
por eles me fiz náufrago no dorso das areias
por elas o meu peito aguarda que o resgatem
todo o olhar
é um rio
que brota para dentro e mancha o coração o profeta
é um manto tecedor de oráculos
e nós quem o sustem acima do destino
Carlos Nogueira Pinto, Segundo Livro de Ishtar, Limiar, 1994
segunda-feira, 15 de março de 2010
Those were the days
«Sometimes indeed the battle did not take place, as the hostile [Arabic] tribes agreed instead to have their dispute settled by a poetry contest.»
domingo, 14 de março de 2010
CCB, 2002
- e entramos neles.
É o nosso ofício, talvez o único.
Esperámos, anos fartos, o vazio.
Não há engano possível,
não há regresso. Todas
as ilhas devagar nos mentem.
Dançava perto de ti,
talvez demasiado só, uma
estrela d'nada, bo dispidida.
Não me digas que não ouviste.
Manuel de Freitas, Cretcheu Futebol Clube, Assírio & Alvim, 2006
B.leza 2000
Pergunto-me, sem razão,
que diferença existe
entre ausência e voz
- um lamento que não previa.
Ou não já. Não assim, pelo menos.
Só me lembro que dançávamos
(é a minha única definição
de felicidade) e que não voltaremos
a dançar. Assim.
Os táxis, no Conde Barão, fingiam não ver
- mas olhavam todos o moído
esplendor do baile, o vestido negro
que inutilmente te cingia.
Despediam-se, como nós, na
ressaca de um tempo ingrato
no fulgor da última manhã.
Não ligues ao tchoro, à voz soterrada
por tão ásperos carris. Não ligues
- coração e deserto rimam
numa língua que desconhecemos.
Manuel de Freitas, Cretcheu Futebol Clube, Assírio & Alvim, 2006
janela aberta sobre a cidade
as mãos travadas sobre a trave de pedra
respirando o possível caminho que se abre
sobre tudo e este horizonte ainda
entrevisto ao correr de lâminas
esse fruto que com desinteresse me estendes
como que para aplacar a sede
que será de mim se for como tu foste
quando vier a tarde
a hora marcada diante do espelho
que será quando tornar diante da mesa
mãos pousadas sobre os joelhos
a posição imóvel da pedra
anjo esfarrapado respirando sobre mim
a tinta vermelha estalando sobre o búzio
foi há tanto tempo já
a última vez que regressei a casa
nem me recorda já o ferir da luz por sobre pontes
um pequeno ângulo em que fingimos respirar
quando terei olhado do chão esse curso de rio
que as minhas cicatrizes não sulcam nem alteram
que será de ti às primeiras flores
aos primeiros sinais desta primavera tardia
eu que nunca te esqueço pouso
vagamente os dedos sobre os lábios
ladeio entre lanças a distância
e a ladainha desencantada
de usar a voz para em bronze ferir
o correr do tempo
parti sem saber todas as palavras
parti cedo e desenganada já de frutos
de flores de sábias promessas
tornarei por esses caminhos já demasiado tarde
já sem me obrigar um regresso
Tatiana Faia
sábado, 13 de março de 2010
Wallâda de Córdova, ou de como já não se fazem princesas como dantes
Não tendo nunca casado, manteve várias relações amorosas, das quais a mais conhecida e frutuosa do ponto de vista literário foi com o poeta Ibn Zaidūn. Desta relação nasceram alguns dos mais belos textos da literatura árabe - e também alguns dos mais malcriados. Na verdade a relação terminou de forma tempestuosa, por razões pouco conhecidas. Segundo algumas versões, Ibn Zaidūn teria traído a princesa com uma escrava negra. Outras fontes insinuam que não foi uma escrava, mas um escravo. Certo é que Wallāda rifou Ibn Zaidūn, e trocou-o pelo seu arqui-inimigo político, o vizir Ibn ʿAbdūs. Também desta ruptura haveria de nascer uma soberba e famosa obra literária, a "carta cómica" de Ibn Zaidūn, onde regurgita uma crítica ferocíssima ao rival.
Mas concedamos a palavra à princesa Wallāda, que pouco depois de mandar Ibn Zaidūn dar uma volta lhe dedicou este simpático poema:
É verdade que Ibn Zaidûn tem um cu
que adora as vergas nas ceroulas.
Se ele tivesse visto um caralho sobre uma palmeira,
ter-se-ia transformado no pássaro ababil.
Traduzo directamente do original árabe, com revisão de Nadia Bentahar. Optei por transformar os hemistíquios em versos independentes, por razões estéticas. A referência ao "pássaro ababil" é ordinaríssima e remete para a Sura do Elefante (105), que relata como o exército dos abissínios foi dizimado por pássaros ababil, que o deixaram como "um campo devorado".
Ítaca
sexta-feira, 12 de março de 2010
da ragazza ho fatto la fotografa
è anche quella
di essere sempre dietro la macchina fotografica
e mai davanti.
(Infatti, chi fotografa
non viene quasi mai fotografato).
Non allo specchio
ma nelle fotografie che mi ritraevano
distinguevo la paura sul mio volto.
Orhan Pamuk, O Meu Nome é Vermelho, Filipe Guerra (trad.), Editorial Presença, 2007
quinta-feira, 11 de março de 2010
Grace Kelly
If you want to see Hollywood at the last gasp of its otherworldliness, before the old glory gave way, consult the photograph of Kelly and her fellow-presenter, Audrey Hepburn, backstage at the Academy Awards in 1956. (Kelly had returned to present an award.) Both are in profile, gazing in expectation, and both wear white gloves. They could be at their first Communion.
Antiche Memorie
possiede antiche memorie
nella mia terra gli alberi non si spogliano
ma le persone, sì
sono meno preparate
più ingenue
e le volpi non si incontrano nel quotidiano
mentre beviamo il caffè.
Márcia Téophilo
Natus de muliere, brevi vivens
Qui quasi flos egreditur et conteritur, et fugit velut umbra, et numquam in eodem statu permanet.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Natus de muliere, brevi vivens
fu inventato come un grido
a bruciapelo: odio,
ira, indumenti; propagato
nella apparenza, o febbre
universale: nato a sentire
legge e fede, nato di donna
per mangiar la foglia, per contarla
lunga, per contarla corta,
manda giù quanto più può
saliva; nato di donna
per mangiar la foglia, parla e vuole
maniere d'ogni sorta,
secco il corame delle suole,
fa digrignare i denti; agisce
azioni chimiche, cose
che son lecite o non sono, a voglia,
oneste che fan gran figura, o diso-
nore: commerciali, generose,
che fregano il prossimo, e consumano
i desideri e la freschezza al viso;
che non arrivano a niente, fredde
che mettono i brividi; servili
che umiliano serviti e servitori;
pubbliche, che son strapazzi
mica tanto lievi, che molta
opera chiedono, e non cuore,
finalmente!; nato di donna,
sacramenta e fa i suoi fatti, scaltro
o no, igienici o immortali; s'arrangia,
legge nei cuori, negli occhi,
nelle pietre, nei giomali,
e, appena può, muore; mangia,
costruisce sentimentali agglomerati
sugli elenchi telefonici, sbatte
quadrelli uno in pigna all'altro,
i quadrelli rossi, che mangiano
calcina, difendono gli arti
e le giunture dai colpi d'aria,
e va bene
ma non possono parlare
come né i fiori, come né i denti:
fare l'uomo non è che una
maniera come un'altra
per scamparla bella:
uomo, nessuno gli dà mai ragione,
e né la ragione e né il torto,
e né la legge e né la fede;
e allora gareggia: azioni
che non può sapere né volere,
misura, vende, crede, tribola
e non ottiene: sarà cibo
al morbus novus, esca
ai batteri più scuri: perché
perché la salma è stretta; l'aria tira
forte, e via con essa l'alma
sfugge, temeraria, vile,
forte presa dal piacere
nazionale: e forse è
che forse qui bisogna cambiar aria
tutti quanti: è un consiglio,
Emilio Villa in Italian Poetry: 1950 to 1990, Ridinger and Renello (eds.), Dante University Press, 1996.
Catulo X
eu fosse conhecer, arrastou-me do foro onde passava o tempo:
era uma putazinha — assim à primeira vista me pareceu —
a que não faltavam graça e encanto.
logo que lá chegámos conversámos 5
sobre vários assuntos, entre os quais que novas havia
da Bitínia, como tinha corrido tudo por lá,
quanto tinha eu lucrado com o passeio.
respondi-lhe a verdade: que lá nada havia, nem para os habitantes,
nem para os pretores e muito menos para os da sua comitiva; 10
como havia alguém de trazer a cabeça mais perfumada,
sobretudo quando o pretor é para ele
um filho da puta e não liga nenhuma à sua comitiva!?
“mas certamente porém” disseram “compraste
o que se diz ser a especialidade local, 15
homens para transportar a liteira.” eu, para perante a moça
me fazer passar por mais ditoso,
respondi: “a coisa não me correu assim tão mal
que, ainda que tivesse ido parar a uma má província,
não conseguisse arranjar oito homens jeitosos.” 20
mas eu não tinha um único, nem cá nem lá
que o pé partido do meu velho catre
pudesse colocar ao pescoço.
então ela, como a grandessíssima puta que era,
disse: “peço-te, meu caro Catulo, que por um instante 25
mos cedas; é que desejo ao templo de Serápis
levá-los.” “alto lá!”, respondi à moça,
“isso de eu dizer que eram meus
foi um engano! o meu camarada
Cina… Gaio Cina… ele é que os arranjou para si. 30
na verdade, sejam dele ou meus, que diferença faz?
sirvo-me deles como se tivesse sido eu a comprá-los.
mas tu bem tola e inconveniente és
por não permitires o mínimo descuido.”
Orhan Pamuk, O Meu Nome é Vermelho, Filipe Guerra (trad.), Editorial Presença, 2007.