minguam as mãos
marcadas pela morte.
mais se misturam os peitos
com palavras movidas pela música.
a memória é mãe bastarda
de todos. do tocador
da cítara do silêncio que sega
da que sonha saber esquecer.
seduz a música do mito
da terra de noites novas
o desejo pela morte.
as palavras marcam o compasso
e a taça passa de mão em mão.
sábado, 30 de maio de 2009
Palavras Fundamentais
Faz com que a tua vida seja
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.
Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.
Nicolás Guillén, Antologia Poética, 2002.
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.
Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.
Nicolás Guillén, Antologia Poética, 2002.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
pensa bem nos nichos que só as unhas alcançam
pensa na porcaria que as unhas escondem
pensa na moça que hoje faz anos
e tu não esqueceste mas nem uma palavra
pensa em tudo o que apodrece
dentro de ti
em cada um dos teus mortos que apodrece
dentro de ti
em cada furto à verdade
em cada masturbação matreira
em cada impureza inconfessada
dentro de ti
que nem as unhas alcançam.
eu sei que pensas muito em tudo isso
mas nada disso importa.
já te falei de corpos mutilados na rosa dos séculos
(corpos queimados corpos decepados corpos desmembrados
pedaços de carne desfiada drapejando ao vento
não como o desejo muitos deles com a alma ainda lá dentro)
da imortalidade da alma da redenção condicional da alma
da real importância do logos do mal que radica na alma
ad aeternum
de como a alma se alegra na contemplação das pequenas crias
de todos os animais sobretudo dos ferozes?
pensa pensa bem em tudo isso
sem esquecer que é tudo uma mesma coisa.
mas nada disso importa.
pensa na porcaria que as unhas escondem
pensa na moça que hoje faz anos
e tu não esqueceste mas nem uma palavra
pensa em tudo o que apodrece
dentro de ti
em cada um dos teus mortos que apodrece
dentro de ti
em cada furto à verdade
em cada masturbação matreira
em cada impureza inconfessada
dentro de ti
que nem as unhas alcançam.
eu sei que pensas muito em tudo isso
mas nada disso importa.
já te falei de corpos mutilados na rosa dos séculos
(corpos queimados corpos decepados corpos desmembrados
pedaços de carne desfiada drapejando ao vento
não como o desejo muitos deles com a alma ainda lá dentro)
da imortalidade da alma da redenção condicional da alma
da real importância do logos do mal que radica na alma
ad aeternum
de como a alma se alegra na contemplação das pequenas crias
de todos os animais sobretudo dos ferozes?
pensa pensa bem em tudo isso
sem esquecer que é tudo uma mesma coisa.
mas nada disso importa.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Das minhas palavras leva
O que quiseres e leva o dever do fogo
O seu girar plantado dentro da esfera
E leva a maneira de olhar branca do fogo
Do fogo leva o que baste para tudo arder
Que é apenas a medida da palavra
E leva o que de melhor está sepultado
Dentro do mármore da palavra:
O perfil espartano que na noite das Termópilas espera
Que da escuridão mais próxima
O encontre e lhe esquadrinhe o rosto
O outro o persa Artafrenes ou Ataxerxes
Vindo de Susos ou Ecbátana não importa
E o grego enquanto espera treme e morde o grito
E o outro do outro lado da treva treme de corpo abandonado
Em terra estranha e sem leme
Tocam ambos o perfil do medo
Pois que em terra grega as palavras e os homens
Fazem o que há a fazer fora do fogo:
Morrer no fim
O que quiseres e leva o dever do fogo
O seu girar plantado dentro da esfera
E leva a maneira de olhar branca do fogo
Do fogo leva o que baste para tudo arder
Que é apenas a medida da palavra
E leva o que de melhor está sepultado
Dentro do mármore da palavra:
O perfil espartano que na noite das Termópilas espera
Que da escuridão mais próxima
O encontre e lhe esquadrinhe o rosto
O outro o persa Artafrenes ou Ataxerxes
Vindo de Susos ou Ecbátana não importa
E o grego enquanto espera treme e morde o grito
E o outro do outro lado da treva treme de corpo abandonado
Em terra estranha e sem leme
Tocam ambos o perfil do medo
Pois que em terra grega as palavras e os homens
Fazem o que há a fazer fora do fogo:
Morrer no fim
as pálpebras dos telhados mergulham
no sono contra o sol
há um vazio que alastra pelas ruas.
esta é uma cidade dos mortos.
esta é
por certo a cidade dos meus avós
para onde toda a gente vinha do campo.
nos próximos versos
não haverá serpentes que possam serenar os pulsos
nem as misérias privadas servirão de pretexto.
cada um tem um olho virado para onde sopra
a sombra.
hoje pelo menos
os telhados da cidade
dormem com satisfação.
no sono contra o sol
há um vazio que alastra pelas ruas.
esta é uma cidade dos mortos.
esta é
por certo a cidade dos meus avós
para onde toda a gente vinha do campo.
nos próximos versos
não haverá serpentes que possam serenar os pulsos
nem as misérias privadas servirão de pretexto.
cada um tem um olho virado para onde sopra
a sombra.
hoje pelo menos
os telhados da cidade
dormem com satisfação.
terça-feira, 26 de maio de 2009
Um vai a direito, outro vai
por uma volta larga e profia
em chegar à casa dos pais,
e espera pela amiga antiga.
Eu vou - com a desgraça pela nuca -
nem a direito nem esquiva
para lado nenhum, para nunca,
despenhado comboio no declive.
Anna Akhmátova, Só o Sangue Cheira a Sangue, Lisboa, 2000 (trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra)
Platão, República, VI, 485d
ἦ οὖν δυνατὸν εἶναι τὴν αὐτὴν φύσιν φιλόσοφόν τε καὶ φιλοψευδῆ;
É possível que uma mesma natureza seja ao mesmo tempo amiga da sabedoria e da mentira?
É possível que uma mesma natureza seja ao mesmo tempo amiga da sabedoria e da mentira?
segunda-feira, 25 de maio de 2009
a dor negra
o negro é o espirrar do sangue de cada dia
o negro é também a cor peculiar das máquinas de ferir
e a dor é um gozo negro
o negro é a mancha queimada de óleo humano sobre
a terra
é o óxido de cansaço espesso nos olhos dos gatos
e a dor é o miar cortado na escuridão
na corrente de fogo
na cinza dos dedos velhos no asfalto
na cabeça cortada da criança no caminho
a dor negra
também é todo este fumo
enquanto a parede respira com pulmões de ferro
Ahmed Barakat
(Marrocos, 1960-1994)
Tradução do árabe: André Simões
e a dor é um gozo negro
o negro é a mancha queimada de óleo humano sobre
a terra
é o óxido de cansaço espesso nos olhos dos gatos
e a dor é o miar cortado na escuridão
na corrente de fogo
na cinza dos dedos velhos no asfalto
na cabeça cortada da criança no caminho
a dor negra
também é todo este fumo
enquanto a parede respira com pulmões de ferro
Ahmed Barakat
(Marrocos, 1960-1994)
Tradução do árabe: André Simões
الأَلَم الأسود
الأَسودُ هو نُفاياتُ الدَّمِ اليَومِي
الأَسودُ هو أَيضاً اللَّونُ الخاصُ بِآلات الجَرْح
والأَلَم هو اللَّذَّةُ السَّوداء
الأَسوَدُ هو بُقَعُ مَحْرُوقُ الزَّيتِ البَشَرِي على
الأَرْض
هو أُوكْسِيد التَّعَبِ السَّمِيكِ على عَيونِ القِطَط
والألم هو المواء المتقطع في الظلام
في سلسلة الحريق
في رماد أصابع العجوز على الإسفلت
في رأسِ الطِفْلِ المقطوعِ في الطِرِيقِ
الألَمُ الأَسوَدُ
هو أَيضاً كُلّ هذا الدُّخان
بَينَما الجِدار يَتَنَفَّسُ بِرِئَتَينِ مَن حَدِيد
الأَسودُ هو نُفاياتُ الدَّمِ اليَومِي
الأَسودُ هو أَيضاً اللَّونُ الخاصُ بِآلات الجَرْح
والأَلَم هو اللَّذَّةُ السَّوداء
الأَسوَدُ هو بُقَعُ مَحْرُوقُ الزَّيتِ البَشَرِي على
الأَرْض
هو أُوكْسِيد التَّعَبِ السَّمِيكِ على عَيونِ القِطَط
والألم هو المواء المتقطع في الظلام
في سلسلة الحريق
في رماد أصابع العجوز على الإسفلت
في رأسِ الطِفْلِ المقطوعِ في الطِرِيقِ
الألَمُ الأَسوَدُ
هو أَيضاً كُلّ هذا الدُّخان
بَينَما الجِدار يَتَنَفَّسُ بِرِئَتَينِ مَن حَدِيد
Prisão do Ético
O valter hugo mãe leu e não quis deixar de dizer o que achou de A prisão do ético, do nosso amigo Paulo Rodrigues Ferreira. A não perder.
elegia
dois pardais
passam às vezes perdidos
sobre o meu ombro
do lado esquerdo.
asseguram-me
de que venho para os lados do norte
isto apesar de serem negros
os meus olhos.
se me pedires
com a minha mão direita
eu junto uma manada de peixes
para com eles coser uma jangada
que te leve de volta ao sul.
se me pedires
eu castro a minha mão direita
para te poder acenar
e escrevo uma elegia aos teus dedos
com a minha mão esquerda.
quando eu me demorar na pândega
com a sórdida vizinhança lá de baixo
não confundas o quadrante direito do relógio
com a prodigiosa paisagem dos pombos da vizinhança.
então não duvides que tudo isto são só palavras
e enterra no peito uma pedra profunda.
isso: faz da minha única verdadeira pátria
um pasto pétreo.
isso: faz do meu nome um plácido porto
de esquecimento.
passam às vezes perdidos
sobre o meu ombro
do lado esquerdo.
asseguram-me
de que venho para os lados do norte
isto apesar de serem negros
os meus olhos.
se me pedires
com a minha mão direita
eu junto uma manada de peixes
para com eles coser uma jangada
que te leve de volta ao sul.
se me pedires
eu castro a minha mão direita
para te poder acenar
e escrevo uma elegia aos teus dedos
com a minha mão esquerda.
quando eu me demorar na pândega
com a sórdida vizinhança lá de baixo
não confundas o quadrante direito do relógio
com a prodigiosa paisagem dos pombos da vizinhança.
então não duvides que tudo isto são só palavras
e enterra no peito uma pedra profunda.
isso: faz da minha única verdadeira pátria
um pasto pétreo.
isso: faz do meu nome um plácido porto
de esquecimento.
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta,
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
João Cabral de Melo Neto, in A Educação pela Pedra.
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta,
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
João Cabral de Melo Neto, in A Educação pela Pedra.
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