quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Kinky sexual acts



O Frank Pembleton é uma das melhores personagens que alguma vez foram avistadas num ecrã de televisão.

sábado, 26 de janeiro de 2013


Como este verbete há de certeza centenas no ficheiro, senão milhares, portanto não se compreende por que estará o Sr. José a olhar para ele com uma expressão tão estranha, que à primeira vista parece atenta, mas que é também vaga e inquieta, possivelmente é este o modo de olhar de quem, aos poucos, sem desejo nem recusa, se vai desprendendo de algo e ainda não vê onde poderá deitar a mão para tornar a segurar-se. Não faltará quem venha apontar supostas e inadmissíveis contradições entre inquieto, vago e atento, são pessoas que se limitam a viver assim como assim, pessoas que nunca se encontram com o destino pela frente.

José Saramago, Todos os Nomes, Editoral Caminho, 1997.

All My Little Words

A view of the house from the back of the garden

In darkness. In rain. Yourself at the very point
where what's yours bleeds off through the pallings
to terra incognita, and the night's blood-hunt
starts up in the brush: the notion of something smiling
as it slinks in now for the rush and sudden shunt.

A woman is laying a table; the cloth
billows as it settles; a wine-glass catches the light.
A basket for bread, spoons and bowls for broth
as you know, just as you know how slight
a hold you have on this: a lit window, the faint
odour of iodine in the rainfall's push and pull.

Now she looks out, but you're invisible
as you planned, though maybe it's a failing
to stand at one remove, to watch, to want
everything stalled and held on an indrawn breath.

The house, the woman, the window, the lamplight falling
short of everything except bare earth -
can you see how it seems, can you tell
why you happen to be just here, where the garden path
runs of to black, still watching
as she turns away, sharply, as if in fright,
while the downpour thickens and her shadow on the wall,
trembling, is given over to the night?

Surely it's that moment from the myth
in which you look back and everything goes to hell.

David Harsent, Night, Faber & Faber, 2011

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Critically

We have a name for the Second Coming but none for a second coming. In fact, our entire vocabulary for states of consciousness is critically empoverished.

William Gass, On Being Blue, Nonpareil Books, 1999 (1ª edição 1976).

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Rayuela


Podia escolher uma qualquer citação (tantas frases sublinhadas, tantas páginas anotadas), podia falar de Horacio ou de Maga, de Paris ou de Buenos Aires, da vida ou da morte, da ordem ou do caos, da arte ou da consciência, da solidão ou da sociedade. Mas não me apetece dizer nada. Ontem faziam a pergunta do costume: esse livro é sobre o quê? Não consigo. É sempre a mesma pergunta de merda mas desta vez não consigo. Inventa qualquer coisa. Não consigo. Sinto náusea em tudo o que faço desde ontem à noite. Como é que se explica isto? Há livros que nos atravessam como uma flecha e que deixam uma cicatriz profunda, indelével. Não sei se devia ter lido este livro, não sei se estava preparado para tudo isto, não sei se voltarei a ler tão cedo. Para que serve tudo isto, pergunta, entre cadernos preenchidos de palavras insignificantes, para quê?, ficheiros do pages cheios de vazio, para quê escrever se depois disto só se quer desaparecer?

domingo, 13 de janeiro de 2013

A soft hysterical tone

One afternoon, as she sat with her husband beside her on the cot, thrusting her needle faster and faster, yanking the thread until it broke, she remarked in a soft hysterical tone, "There is one advantage in our children's not having enough to eat and not growing as they should. They can go on wearing the same old garments longer than normal children."
Helianos took the needle and thread away from her, put his arms around her, and told her that this was no way to talk. Unintentionally or not, it was like a parody of his own ironic speech and it disturbed him, somehow between sadness and anger. Their nerves were on the edge. They were unaccustomed to everything, inefficient at everything; for which they alternately blamed one another and apologized to one another.

Glenway Wescott, An Apartment in Athens, David Leavitt (intr.), NYRB, 2004 (1944, 1ª edição). 

sábado, 12 de janeiro de 2013

O autocarro dos pesadelos باص الكوابيس


(massacre de Sabra e Chatila, 1982)

O autocarro dos pesadelos

vi-os deitar as minhas tias em sacos de plástico negro
e nos cantos dos sacos acumulava-se o sangue morno delas
(mas eu não tenho tias)
soube que tinham matado Natacha – a minha filha de três anos
(mas eu não tenho filha)
disseram-me que eles tinham violado a minha mulher antes de lhe arrojarem o corpo
pelas escadas e de o deixarem na rua
(mas eu não sou casado)
foram de certeza os meus óculos que foram esmagados debaixo das botas deles
(mas eu não uso óculos!)
...

dormia eu em casa dos meus pais e sonhava em viajar até à casa dela, e quando
acordei:
vi os meus irmãos
pendurados no telhado da igreja da Ressurreição.
dizia o Senhor por piedade: esta é a minha dor.
e eu recolhia o orgulho dos enforcados e dizia: não, esta é a nossa dor!
...

a dor ilumina e torna-se-me mais querida que os meus pesadelos
...

não fugirei para norte
Senhor
não me contes entre os que procuram refúgio

– fecharemos estas contas mais tarde –

agora tenho de ir dormir:
não quero chegar atrasado ao autocarro dos pesadelos
o que vai para Sabra e Chatila...

Najwân Darwîsh
Tradução (preliminar) do árabe: André Simões

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Skandalkonzert (ou realidade paralela)

É-nos difícil imaginar um motim durante um concerto de música clássica, não é? Mas já se deu. Foi no dia 31 de Março de 1913, na Wiener Musikverein, num concerto dirigido por Arnold Schoenberg. O concerto acabou prematuramente e uma das brigas entre um dos organizadores do concerto e Oscar Straus foi mesmo a tribunal. O programa continha Weber, Zemlinsky, Schoenberg, Berg e Mahler. O concerto acabou a seguir à Op. 4 de Berg. 

Pontos altos:

O público pediu o internamento de Berg e do poeta que escreveu os textos, Peter Altenberg. Este último, nessa altura, estava mesmo internado.

Oscar Straus, durante o julgamento, disse que o baque do seu murro teria sido o único som harmonioso nesse concerto.

Resumindo, os motins em concertos de rock e metal são para meninos. 

De XX Tristichs

A hallway of doors. A grandfather clock.
The woman came out naked, her hair wrapped in a towel.
She didn't look at the clock. It wasn't that.

*

I will bring this poem to an end
with an eyelash on your cheek
or a butterfly snarled in your hair.

*

You passed me a glass of water
into which you had secretly
dipped your finger.

*


They fed him honey, wine and cheese. They took him
to the arcades. In the hall of mirrors he saw
the young god, naked, his boots laced with gold.


*


Each night, as you close your eyes, the unnameable
stands naked by your bed. It gazes 
down at you and tells you everything.


*


Imagine the restaurant, halogen bright, the clash
of voices, the clash of dishes. Then silence as she
removes her shoes. As she begins to dance.

David HarsentIn Secret: Versions of Yannis Ritsos, Enitharmon, 2012

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Don't ask

It might be a nightclub logo
laying highlights in the pavement after rain,
or the sound of a cistern spilling,

or the silky splash
of a raindrop striking a rose, or you might decide
on the dark-out-of-darkness sob of a nightingale...

I glanced across and noticed how she slept
with her knee tucked up
and knew what I felt wasn't love, although, somehow,

the moment held all there was of tenderness:
the smell of the sheet, the fold of her knee, the fold
of the coverlet, that this as a warm evening in spring.

Look, who can say what these things mean?
They make patterns in our lives and all I know
is not knowing helps, but I couldn't tell you why.

David HarsentIn Secret: Versions of Yannis Ritsos, Enitharmon, 2012

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Decálogo V (2)



O enredo é simples, mas muito bem explorado. O episódio 5 da melhor série televisiva que já vi trata, tal como o quinto mandamento, da morte. Não matarás, dizem-nos. Duas figuras emergem: o assassino, um rapaz de aldeia que vagueia sorumbático pela cidade e acaba por cometer um crime que tem tanto de brutal como de inopinado, e o advogado, um jovem recém graduado, um idealista que se opõe à pena capital, que, na Polónia, apenas foi abolida em 1998. O episódio gira em torno da frustração do advogado mas, sobretudo, do contraste entre o crime calculado da justiça, com todos os rituais que o precedem, e o crime sem motivo aparente do jovem. É, pelos vistos, o mais político dos episódios desta série e acabou por dar filme, como se pode ver aqui.

A quem ainda não viu esta série: vejam-na o mais depressa possível. Não se vão arrepender.

Decálogo V

"thou shalt not kill"


domingo, 6 de janeiro de 2013

sábado, 5 de janeiro de 2013

Quem é ele, quem é ele?


But clearly he was a humorless, not very lovable man – pessimistic, skeptical, highly intelligent, superficially cold and reserved, but with strong inner tensions which occasionally broke through the impersonal tone of his writing in savage whiplash comments. He wrote in a complicated style, overloaded and lacking in charm. He refused to make the slightest concession to his audience, wether in style or in treatment of the subject. Nothing mattered but the events and the issues; these he would get right by persistent devotion to accuracy and understanding, and he would report his findings plain. Let the reader who wants romance go elsewhere, he says, I am not writing for the applause of the moment, but for all time.
He was a young man, probably in his late twenties, when the war began. Immediately, he perceived that this would be the war on an unprecedented scale, and he decided to become its historian.

M. I. Finley

Morning

She threw back the shutters and spread
the bedsheets of the window-sill.

It was broad day. A bird stared back at her.
'I'm alone, I'm alive...' She stood in front of the mirror.

'This too is a window. If I jump,
I'll fall into my own arms.'

David Harsent, In Secret: Versions of Yannis Ritsos, Enitharmon, 2012