terça-feira, 27 de novembro de 2012
concertinas, arrecadas, romarias e o mar logo ali
e eu, que nunca fui à Galiza, que nunca na vida subi acima de Alcobaça, a
empatá-lo, consoante o cavalheiro me ordenou, Claro que sim, bichano, a
Galiza é mais ou menos como o Minho, tudo muito verde, concertinas,
arrecadas, romarias e o mar logo ali, nos dias de folga entretens-te com
as cegonhas, garanto-te que o que não falta são cegonhas, cada chaminé
tem uma, de joelho no ar, e ele, fascinado, a suspender a colher da
sobremesa, Ai sim?
António Lobo Antunes, Tratado das paixões da alma
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Dá-me licença?
THE CELL DOOR SLAMMED BEHIND RUBASHOV.
He remained leaning against the door for a few seconds, and lit a cigarette. On the bed to his right lay two fairly clean blankets, and the straw mattress looked newly filled. The wash-basin to his left had no plug, but the tap functioned. The can next to it had been freshly disinfected, it did not smell. The walls on both sides were of solid brick, which would stifle the sound of tapping, but where the heating and drain pipe penetrated it, it had been plastered and resounded quite well; besides, the heating pipe itself seemed to be noise-conducting. The window started at eye-level; one could see down into the courtyard without having to pull oneself up by the bars. So far everything was in order.
Arthur Koestler, Darkness At Noon, Bantam Books, 1966.
domingo, 25 de novembro de 2012
Variation on a theme of Wallace Stevens
If I switch off the light
I would see him out in the yard,
tending a fire by the hedge,
raking the windfalls and leaves
from a different year,
a ghost in his smoke-coloured shirt
with his back to the house,
my double, from his looks: same age, same build,
the same clenched rage in his arms,
the same bright fear,
and I would be with him, looking at the dark,
but missing what he sees, or thinks he sees:
the sudden night, the blur of wind and rain,
the shadow in the woods that matched him
with nothing that is, and the nothing that is not there.
John Burnside, The Myth of the Twin, Cape Poetry, 1994
I would see him out in the yard,
tending a fire by the hedge,
raking the windfalls and leaves
from a different year,
a ghost in his smoke-coloured shirt
with his back to the house,
my double, from his looks: same age, same build,
the same clenched rage in his arms,
the same bright fear,
and I would be with him, looking at the dark,
but missing what he sees, or thinks he sees:
the sudden night, the blur of wind and rain,
the shadow in the woods that matched him
with nothing that is, and the nothing that is not there.
John Burnside, The Myth of the Twin, Cape Poetry, 1994
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
um pouco de jazz
Poema seleccionado e enviado pelo autor, poeta emergente no mundo árabe, para eu traduzir "e publicar onde quiser".
Najwan Darwish
ó tu, cônsul negro de uma civilização branca como uma mortalha
ó tu, cônsul branco de uma civilização de carvão
haverá uma cor terceira com quem eu possa falar?
ou devemos implorar-te, como criadas bem educadas, para nos permitires viajarmos,
o que fazer para que te agradem estas caras que o Senhor traçou?
ou dançaremos nós diante das embaixadas a noite toda, acenderemos nós um fogo à maneira das tribus zulu?
ou quereis que nos deitemos com as vossas velhas para provarmos as nossas boas intenções?
ou assinamos os contratos de inocência da História
ou desinfectamos a memória com Dettol
ou queimamos o livro “Orientalismo” e as nossas mães “atrasadas” – com gasolina – e rimos.
ou tocamos um pouco de jazz para a tua mulher?
ó tu, cônsul
as nossas caras derreteram e nós para cá e para lá e estamos perante os teus olhos perscrutadores e as tuas experientes secretárias, mais excelentes que cães-polícia...
estas caras cujos traços apagastes com as vossas tendências experimentais perseguir-vos-ão em pesadelos durante sete gerações pelo menos
ó tu, cônsul
este poema perseguir-te-á a ti em particular.
Najwân Darwîsh
Tradução do árabe: André Simões
قليل من الجاز
نجوان درويش
نجوان درويش
أَيها القُنْصل الأَسود لِحَضارةٍ بيضاءَ كالكَفَن
أَيها القنصل الأبيض لحضارة مِن الفَحْم
أَما مِنْ لونٍ ثالثٍ أَتحدّث إليه؟
أَينبغي أَن نَضْرَع مثل خادمات مؤدّبات لتسمحوا لنا بالسَّفر
ماذا نصنع لكي تعجبكم وجوهنا التي رسمها الربّ؟
أَنرقص أَمام السفارات طوال الليل ونُشْعل ناراً مثل قبائل الزولو
أَتريدون أَن نضاجع عجائزكم لِـــنُـــــــثْبِتَ حُسْنَ نوايانا؟
أَنوقِّع صكوك براءةٍ من التاريخ
أَنعقِّم الذاكرة بالديتول
أَنحرق كتاب "الاستشراق" وأُمهاتنا "المتخلِّفات" ـــــ بالكازـــــ ونحن نضحك.
أَنعزف لزوجك قليلاً من الجاز؟
أَيها القنصل
وجوهنا ذابت ونحن نروح ونجئ أَمام عيونك الفاحصة وسكرتيراتك المدرَّبات أَفضل من كلاب الشرطة...
هذه الوجوه التي طمستم ملامحها بِنزعتكم التجريـبـية ستطاردكم في الكوابيس لسبعة أَجيال على الأقل.
أَيها القنصل
هذه القصيدة ستطاردك أَنت بالذات.
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
memória
- Em casas velhas há quartos que as pessoas esqueceram, sabem vocês? - perguntava o meu pai. - Abandonados há meses vão fenecendo entre paredes e chegam a fechar-se sobre si próprios, a cobrir-se de tijolos e a perder aos poucos a vida, uma vez que irremediavelmente perdidos para a nossa memória. As portas que os servem abrem-se ao patamar de uma escura escada de serviço e durante tanto tempo podem escapar à observação dos habitantes, que se enfiam dentro das paredes e vão apagar aí os seus vestígios, confundidas numa rede de fendas e fissuras.
Bruno Schulz, As Lojas de Canela, Assírio & Alvim, 1987.
sábado, 17 de novembro de 2012
Rainy Night
Something about the hiss of a taxi
cruising an empty street,
its foggy yellow light
skidding off piles of black bin-liners
is trying to let me know
this isn't my night.
Something about the look of your front door
its familiar fanlight star
picked out in black
ts trying to get through me
that you and I
have turnerd some sort of corner.
Rain off the river, mixed with the smell
of pavements in summer,
is trying to let me down lightly,
I stand on the step
while the sound of your doorbell
echoes down the hall.
Hugo Williams, Billy's Rain, Faber & Faber, 1999
cruising an empty street,
its foggy yellow light
skidding off piles of black bin-liners
is trying to let me know
this isn't my night.
Something about the look of your front door
its familiar fanlight star
picked out in black
ts trying to get through me
that you and I
have turnerd some sort of corner.
Rain off the river, mixed with the smell
of pavements in summer,
is trying to let me down lightly,
I stand on the step
while the sound of your doorbell
echoes down the hall.
Hugo Williams, Billy's Rain, Faber & Faber, 1999
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Every thing possible to be believ'd is an image of truth
Submete-te à prova da humanidade.
Ela faz duvidar os que duvidam e faz
acreditar os que acreditam.
Franz Kafka, Meditações.
A cidade e os olhos
É o humor de quem a olha que dá à
cidade de Zemrude a sua forma. Se passarmos por ela a assobiar, de
nariz no ar atrás do assobio, conhecê-la-emos de baixo para cima:
sacadas, tendas a ondular, repuxos. Se caminharmos através dela de
queixo contra o peito, com as unhas espetadas nas palmas das mãos,
os nossos olhares prender-se-ão ao chão, aos regos de água, aos
esgotos, às tripas de peixe, ao papel velho. Não se pode dizer que
um aspecto da cidade seja mais verdadeiro que o outro, mas da Zemrude
de cima ouve-se falar sobretudo a quem se lembra dela afundando-se na
Zemrude de baixo, percorrendo todos os dias os mesmos caminhos e
reencontrando de manhã o mau humor da véspera incrustrado nas
paredes. Para todos mais tarde ou mais cedo chega o dia em que
baixaremos os olhos ao longo dos canos dos algerozes e já não
conseguiremos afastá-los da calçada. Não está excluído o caso
inverso, mas é mais raro: por isso continuamos a andar pelas ruas de
Zemrude com os olhos que agora já escavam por baixo das caves, dos
alicerces, dos poços.
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
A reler
No mês de Julho o meu pai partia para águas e deixava-nos, à minha mãe, ao meu irmão mais velho e a mim, entregues aos dias de Verão de uma brancura de fogo, que inebriavam. Tontos de luz folheávamos o grande livro das férias que em todas as folhas cintilava de sol e conservava no mais fundo de si mesmo, com uma doçura que atingia o êxtase, a polpa das pêras douradas.
Bruno Schulz, As Lojas de Canela, Assírio & Alvim, 1987.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
Fiquei a observar esta simplicidade. Pensei, com segurança, em voz alta: "Isto é mesmo de há trinta anos atrás". (...) Senti-me morto, senti-me percebedor abstracto do mundo: indefinido terror imbuído de ciência, que é a melhor clareza da metafísica. Não acreditei, não, ter remontado às presumíveis águas do Tempo; antes me suspeitei possuidor do sentido reticente ou ausente da inconcebível palavra eternidade. Só depois consegui definir esta imaginação.
Escrevo-o agora, assim: esta pura representação de factos homogénos - noite em serenidade, ar límpido, cheiro provinciano da madressilva, barro fundamental - não é simplesmente idêntica à que houve nessa mesma esquina há anos; sem parecenças nem repetições, é a mesma. O tempo, se pudermos intuir esta identidade, é uma desilusão: bastam para o desintregar a indiferença e inseparabilidade de um momento do seu aparente ontem e de outro momento do seu aparente hoje.
É evidente que o número desses momentos humanos não é infinito. Os elementares - os de sofrimento físico e de gozo físico, os de aproximação do sonho, os da audição de uma música, os de muita intensidade ou de grande apatia - são mais impessoais ainda. Faço derivar de antemão esta conclusão: a vida é demasiado pobre para não ser também imortal. Mas nem sequer temos a segurança da nossa pobreza, visto que o tempo, facilmente refutável no sensitivo, não o é também no intelectual, de cuja essência parece inseparável o conceito de sucessão.
Jorge Luis Borges, História da Eternidade, trad. José Colaço Barreiros, Quetzal, 2012.
Escrevo-o agora, assim: esta pura representação de factos homogénos - noite em serenidade, ar límpido, cheiro provinciano da madressilva, barro fundamental - não é simplesmente idêntica à que houve nessa mesma esquina há anos; sem parecenças nem repetições, é a mesma. O tempo, se pudermos intuir esta identidade, é uma desilusão: bastam para o desintregar a indiferença e inseparabilidade de um momento do seu aparente ontem e de outro momento do seu aparente hoje.
É evidente que o número desses momentos humanos não é infinito. Os elementares - os de sofrimento físico e de gozo físico, os de aproximação do sonho, os da audição de uma música, os de muita intensidade ou de grande apatia - são mais impessoais ainda. Faço derivar de antemão esta conclusão: a vida é demasiado pobre para não ser também imortal. Mas nem sequer temos a segurança da nossa pobreza, visto que o tempo, facilmente refutável no sensitivo, não o é também no intelectual, de cuja essência parece inseparável o conceito de sucessão.
Jorge Luis Borges, História da Eternidade, trad. José Colaço Barreiros, Quetzal, 2012.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
domingo, 4 de novembro de 2012
Inter-ea
Between the acting of a dreadful thing
And the first motion, all the interim is
Like a phantasma, or a hideous dream.
Shakespeare. Julius Caesar. 2.1 63-65
Between the idea
And the reality
Between the motion
And the act
Falls the Shadow
T.S. Eliot. The Hollow Men. V
Blitz und Donner brauchen Zeit, das Licht der Gestirne braucht Zeit, Thaten brauchen Zeit, auch nachdem sie gethan sind, um gesehen und gehört zu werden.
Relâmpago e Trovão precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, os actos precisam de tempo, mesmo depois de terem sido executados, para serem vistos e ouvidos.
Nietzsche. Die fröhliche Wissenschaft 124. Tradução minha.
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
alvorada
وَبَشَّرَ بِالصُّبْحِ بَرْدُ النَّسيمِ وسُكْرُ النَديمِ وضُعْفُ السِّراجِ
anunciam a alvorada o fresco da brisa
e a bebedeira de um amigo e o morrer da lâmpada
Ibn Ṣâra de Santarém (1043-1123)
Mandelstam
Akhmatova was translating Macbeth in the early '30s
(a time she called "the vegetarian years" to distinguish
its charm from "the meat-eating years" still ahead).
For a poem in which he likened Stalin's fingers to worms
Osip Mandelstam was arrested in May 1934. All night
the police searched his papers and threw them out on the floor
to the sound of an ukelele
from the next apartment.
Akhmatova never finished Macbeth although
she liked to quote her hero saying people
in my homeland die faster than
the flowers on their hats.
Anne Carson, Men in the Off Hours, Cape Poetry, 2000.
(a time she called "the vegetarian years" to distinguish
its charm from "the meat-eating years" still ahead).
For a poem in which he likened Stalin's fingers to worms
Osip Mandelstam was arrested in May 1934. All night
the police searched his papers and threw them out on the floor
to the sound of an ukelele
from the next apartment.
Akhmatova never finished Macbeth although
she liked to quote her hero saying people
in my homeland die faster than
the flowers on their hats.
Anne Carson, Men in the Off Hours, Cape Poetry, 2000.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
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